sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre pétalas lilases


Lilás era a cor preferida de Orquídea, talvez não tenha sido sempre assim, já não recordo mais.

Orquídea era uma menina moça, talvez não soubesse lidar com os seus sentimentos ainda. Não perdia a mania de brincar de “bem me quer, mal me quer” com suas próprias pétalas e fazia isso sempre a caminho das casas onde fazia suas entregas matinais de doces. Ela bem sabia que esta era apenas uma maneira boba de distrair-se, deixar o caminho mais curto e sentir-se aliviada ou dilacerada momentaneamente, mas mesmo assim não deixava de lado esse costume. Ela não precisava de respostas positivas, não nessa parte da história, precisava apenas de respostas, quaisquer que fossem.

Essa idéia de que Orquídeas eram delicadas e complexas combinava bem com ela. Cheia de manias. – “Sem isso não floresço” - Ela dizia. Orquídea era do tipo que precisava de Luz, mas não gostava do sol batendo no seu rosto, que precisava de água, mas jamais em excesso.

Orquídea tinha um amor, sabe? Ele se chamava João. Era músico, florista e sensível por natureza. Tinham dias que eles até se entendiam, água e luz na dose exata, mas havia dias, coitados, que nada dava certo. Quando não eram luzes a atingir diretamente os olhos castanhos de Orquídea, eram baldes de água gelada alcançando acidentalmente a raiz já negra do seu cabelo colorido.

Ele dizia seco quando ela batia em sua porta: - Vai!

Ele não queria saber de doce algum.

Digo acidentalmente porque nem eu e nem ela acreditamos, mesmo que no fundo, que ele uma dia seja capaz de um ato insensível como tal, propositalmente. Ôh dias difíceis estes. Pior ficava quando ela colocava os sentimentos daquele homem em prova e voltava a se despetalar.

- Bem me quer

- Mal me quer

- Bem me quer

- Mal me quer

- Bem me quer

- Mal me quer. [...] Mal me quer?

E ele nada respondia. Parecia indiferente.

Assim ia, até não restar mais nenhum pedacinho. No outro dia, já refeita, repetia o ritual. Tinha esperança. Não queria ser só a menina do doce.

Tenho a impressão que ele não teve experiências lá muito boas. Talvez uma doceira nunca tenha batido em sua porta ou, mais provavelmente, tenha batido, virado e ido embora.

Ora, que culpa Orquídea tem? Ela continuava ali, batendo a sua porta insistentemente, querendo mostrar-lhe o amor e tudo o mais. O fato é que se você não abre a porta, a visita acaba por ir embora. É a ordem natural das coisas.

Ao contrário do que possa parecer, Orquídea e João não eram um casal como outro qualquer, ou melhor, não formavam um casal. Na verdade era ele e era ela, não eram eles ainda. Casal é par e par é de dois. Ao que me parece eles estavam mais para um e meio. Ela inteira e ele sempre pela metade, talvez com a cabeça nas flores que o esperavam na sua estufa de vidro.

Ela era só a menina do bombom de Cajá.

Talvez ele não goste de bombons, talvez não goste de cajá. Talvez se sua cor não fosse lilás ele gostasse mais. Talvez se ela fosse vermelha, quem sabe?!


* Dos textos Sobre Orquídeas e Floristas

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