sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Tão presente quanto o presente presente

[" Her love is a rose pale and dying" (8)]


Estava certa de que não teria problemas em falar do que não volta mais, embora nunca fizesse isso. Aliás, não gostava de tratar desse assunto dessa forma. Considerava o passado sempre tão presente quanto o presente presente e costumava dizer: - " Quem diz que o “passado” não existe dentro de si, mente".
Ela sabia que era preciso encerrar uma etapa e iniciar outra, e que encerrar não significava esquecer, e que iniciar nada tinha a ver com substituir.
Ao final de um dia qualquer, deitada de pernas pro ar, Carú deixou que seus pensamentos viessem livres, sem chamar sua própria atenção por isso, como costumava fazer. Pensou nos sentimentos - ela sempre pensava em sentimentos - e nas cores que daria pra cada um deles se os encontrasse por aí, pensou nas cores em si, pensou no lilás, pensou no verde, no amarelo e no azul; mas o azul em especial fez com que se lembrasse de alguém.
E ao lembrar-se desse alguém recordou o dia em que ganhou seu primeiro arranjo de rosas vermelhas e de todas as outras que ganhou em seguida, a maioria delas acompanhadas de delicados cartõezinhos. E recordou a primeira pulseirinha que ganhou dele - seu presente preferido, embora ela nunca tenha dito isso - toda dourada com coraçõezinhos repletos de pedrinhas transparentes e branquinhas, e do CD com as canções de um filme que continua a ser um dos seus preferidos e da ultima canção, que sempre recebeu atenção especial, era instrumental.
Carú recordou das bandas que ouviam e dos lugares que costumavam freqüentar e dos que não iam de jeito algum; e da pizza que pediam sem nunca mudar o sabor; e do cinto de segurança do carro dele que sempre travava quando ela tentava colocá-lo, e do jeito que ele o colocava nela e do jeito que ele dirigia parecendo flutuar. Ninguém dirigia daquele jeito, só ele.
Pensando nisso tudo chegou aos “porquês” e logo desistiu deles.
Voltou às rosas e lembrou-se do último dia que viu uma das que ele havia lhe dado. Procurando algo que, nesse momento, se tornou insignificante, Carú abriu o livro que ele havia lhe dado, e lá estava a rosa, já seca. Em um simples impulso, Carú a tomou pelas mãos e no instante seguinte sentiu seu indicador arder. Se deu conta que aquela rosa guardou consigo espinhos que ela jamais havia percebido e mais que isso, se deu conta que toda relação é exatamente assim.
Foi tentada a acreditar que coisas que pareciam tão certas e definidas,tão inquestionáveis, hoje são erradas, mas não as viu assim. Carú escolheu, então, tratar realmente suas lembranças como rosas, e as manter guardadas em um livro que ele lhe deu e em um coração que agora ela já não considera só seu.

Encerrou uma etapa e iniciou outra.